Analise bem um frasco de esmalte. Um olhar mais leigo poderá dizer que se trata apenas de um cosmético para colorir as unhas. Mas, atualmente, a definição é simplista demais. Nos últimos dois anos, o produto ganhou status de luxo, virouconceito de moda e sinônimo de fashion. Se antes pintar as unhas era apenas uma prática de cuidado pessoal somada a uma dose de vaidade, agora colori-las traduz comportamentos e estilos.

O cosmético virou uma verdadeira febre. Há quem tenha um acervo próprio abastecido com mais de 500 unidades. São mulheres antenadas aos lançamentos internacionais de esmaltes, que correm atrás de seu exemplar como se fosse uma verdadeira joia. Para a alegria delas, as marcas nacionais também ampliaram as ofertas. Lançam mais de uma coleção por ano com uma enorme variedade de cores.

Os esmaltes já não colorem as unhas apenas. Estão incrementados com tecnologias. Agora também criam efeitos e demonstram personalidade. A moda passou a assinar o cosmético e as mulheres começaram a enxergá-lo como verdadeiro objeto de desejo. Há quem não sai de casa sem um tom nas mãos ou nos pés. Há quem acredite verdadeiramente que ele deve ser o centro das atenções na produção. O esmalte virou acessório de uma vez por todas.

Esmalte como acessório
Desde que a americana Revlon lançou na década de 1930 o esmalte Love that red (foto acima), exatamente da mesma cor de um batom da marca, o produto passou a ser visto como item de perfumaria, indispensável para mulheres vaidosas e chiques. Logo, eles começaram a colorir as unhas das estrelas de cinema, virando um símbolo de sensualidade.

Os esmaltes da Revlon só chegaram ao Brasil nos anos 1980. Por aqui, a pioneirafoi a Risqué. A marca nacional lança tendências há 75 anos. Nos primórdios, a oferta de cores era bastante limitada — variava entre os vermelhos, os rosas e os tons bem clarinhos. As mulheres usavam o verniz com parcimônia, pois havia o receio de que fossem consideradas “vulgares”. Era melhor não arriscar.

O cenário atual é bem diferente. Elas querem variar os tons e a Risqué atendeu ao pedido. A empresa disponibiliza hoje 146 cores de esmaltes, com lançamentos renovados duas vezes ao ano, além das edições especiais.

Item de grife (para poucos)

Apesar de as brasileiras estarem habituadas a colorir pés e mãos, o status fashion do esmalte é relativamente recente entre nós. Boa parte do modismo foi importado. Entre 2006 e 2007, a gigante Chanel lançou o esmalte Black Satin. A ideia era levar o pretinho básico da grife para as unhas. O esmalte foi lançado envolto em conceitos. O brilho e a textura não eram gratuitos, diziam. Foram cuidadosamente pensados para remeter às fitas acetinadas, amplamente usadas pela estilista francesa.

Na época do lançamento do Black Satin, muita gente quis arriscar a usar cor na mão. Afinal, se Chanel assinava, só podia ser coisa de gente chique. No ano seguinte, a grife surpreendeu mais uma vez com o lançamento do Blue Satin, um esmalte azul-marinho. Era o segundo passo da proposta de transformar os esmaltes em acessórios de luxo.

Depois disso, a grife francesa passou a apresentar a coleção de esmaltessimultaneamente à de roupas. Em 2008, veio à tona o esmalte verde-água batizado de Jade. Era a maneira de quebrar o clássico casamento branco e preto, tão idolatrado pelas consumidoras do estilo Chanel. E deu o que falar. Os frascos verdes logo se esgotaram e quem conseguiu o seu exemplar sentiu-se dona de um objeto exclusivo. O esmalte já não era o mesmo.

Estava definitivamente sacramentado: a moda passaria a ditar as cores dos esmaltes e a incluí-los no visual. E, nesse caso, tinha outro significado. Era a forma de consumir a grife a preço bem mais acessível. O que representam os pouco mais de R$ 100 para ter um cosmético da Chanel comparado aos muitos mil reais para ter uma peça de roupa da marca?

A partir daí surgiram esmaltes cada vez mais sofisticados. O mercado ganhou inspiração e inovou. Alguns foram transformados, literalmente, em joias.

Desenvolvido pela Models Own, o esmalte Gold Rush foi exposto em uma joalheria de Londres. O mimo tem efeito dourado, como se fosse ouro nas unhas. O frasco é revestido com o metal nobre e a tampa, cravejada de brilhantes. O preço? Mais de R$ 200 mil. Claro que só é vendido sob encomenda.

O Brasil entra na dança

Com blogs especializados surgindo a todo instante, as novidades se espalharam rapidinho. A mulherada queria a cor da moda nas unhas. No Brasil, os produtos importados demoravam a chegar e elas faziam misturinhas para se aproximar das cores da Chanel. Diante do cenário, as marcas brasileiras começaram a semobilizar. Era preciso pensar a tonalidade do esmalte como tendência de moda e estilo, com cores da estação e troca de coleção.

Estilistas brasileiros foram convidados a assinar coleções de esmaltes. A primeira foi a Risqué, que levou ao mercado as linhas de esmaltes desenvolvidas pelo estilista Reinaldo Lourenço. A parceria dura desde 2005. Em breve, chega às lojas a mais nova coleção assinada por ele.

Mais recentemente, a Big Universo fechou acordo com a estilista Nica Kessler. As marcas estiveram juntas nas duas últimas edições da Fashion Rio, a segunda maior semana de moda do Brasil. Para a próxima estação, apresentaram a linha Sweet Flavour (ao lado), inspirada no filme Mary Poppins. O resultado foi uma paleta de caramelo, verde-claro, vinho e cinza.

“As cores dos esmaltes da linha foram criadas em sintonia com a coleção da estilista. É uma maneira de associarmos o esmalte à moda. Não consideramos mais o produto um simples cosmético”, considera Clarissa Ezaki, diretora da Big Universo.

Outra marca que associou o glamour ao produto foi a Dote. Por duas vezesconsecutivas, lançou na São Paulo Fashion Week (SPFW) uma coleção de cores assinadas pelos irreverentes estilistas Dudu Bertholini e Rita Comparato (ao lado), responsáveis pela Neon. As peças deles são conhecidas pelas estamparias de cores chamativas. O desafio era combiná-las e transformá-las em esmaltes.
A brincadeira agradou Dudu.

“É muito legal entrar em um laboratório para entender como a cor se comporta no esmalte — é diferente do que ocorre com os tecidos — e, depois, ter que associar essa cor com as nossas peças”, explica. O resultado foi uma linha de cores fortes, todas com nomes de mulheres que marcaram a trajetória da Neon nas passarelas.

Apaixonado confesso por esmaltes, o estilista não coloca nenhuma modelo na passarela que esteja sem as unhas pintadas.

“O esmalte é um dos recursos mais femininos da mulher”, define. Feminino e democrático. Para Dudu, a oferta de cores de esmaltes nos últimos dois anos dá à mulher a oportunidade de inovar o próprio estilo. Afinal, é muito mais fácil pintar as unhas do que investir em uma roupa moderninha.

Ele sabe que as assinaturas dos estilistas só aumentam o fetiche do produto.

“Quando você compra um esmalte assinado pela Neon, por exemplo, vocêcompra um pouco do universo criado pela gente. É um jeito de a marca ser consumida em lugares onde ela não chegaria”, avalia.

Mas há outros artifícios para baladar em cima do produto. A Risqué, por exemplo, pegou emprestado o conceito de fast fashion (a moda de consumo rápido) para produzir edições limitadas. A linha Risqué Fast Fashion não será identificada por nomes, mas por números. A primeira a ser lançada já está definida: é um preto fosco. A ideia é conferir status de coleção a quem tiver a sorte de garantir o seu. A marca cria suspense e não adianta qual será a próxima tonalidade a chegar às lojas.

“Serão diversos lançamentos ao longo do ano sem hora e data para acontecer”, informa a marca.